domingo, 25 de setembro de 2011


"O amor, o sono, as drogas e intoxicantes, são formas elementares da arte, ou, antes, de produzir o mesmo efeito que ela.
Mas amor, sono, e drogas têm cada um a sua desilusão.
O amor farta ou desilude.
Do sono desperta-se, e, quando se dormiu, não se viveu.
As drogas pagam-se com a ruína daquele mesmo físico que serviram de estimular.

Mas na arte não há desilusão porque a ilusão foi admitida desde o princípio.
Da arte não há despertar, porque nela não dormimos, embora sonhássemos.
Na arte não há tributo ou multa que paguemos por ter gozado dela.
O prazer que ela nos oferece, como em certo modo não é nosso, não temos nós que pagá-lo ou que arrepender-nos dele.

Por arte entende-se tudo que nos delicia sem que seja nosso — o rasto da passagem, o sorriso dado a outrem, o poente, o poema, o universo objetivo.

Possuir é perder.
Sentir sem possuir é guardar, porque é extrair de uma coisa a sua essência."

Fernando Pessoa (Heterônimo: Bernardo Soares)(modificado)